Quanto tempo...
Acabei de escrever esse texto, em função de um trabalho que farei na semana que vem. Uma vivência com mulheres que trabalham com mulheres trabalhadoras rurais. Em minha vida humana, tive um momento rural... Escrevi sobre isso, como uma analogia de nossa condição humana. Que possa servir de inspiração...
Vivi cinco anos de minha vida em
uma comunidade espiritual, numa zona entre o urbano e o rural, onde
realizávamos diversas tarefas, dentro do sítio de 12 hectares.
Entre as tarefas que eu realizava
com bastante prazer, estava o manejo da composteira. Eram 5 células de
aproximadamente um metro cúbico, que continham os resíduos orgânicos de nosso
refeitório, as folhas secas, as minhocas e outros seres ajudantes no processo
de decomposição e composição. Sim. A última célula, com o produto final, era de
um perfume maravilhoso. Cheiro de terra. Terra rica. Mas até chegar ao
resultado final, é preciso de manejo, dentro desse sistema. Manejo significa
mexer, arejar, colocar folhas secas, cinza dos fogões à lenha, molhar quando
necessário.
A primeira célula, que recebia a primeira
camada de folhas, no momento de revirar e passar para a segunda célula, elevava
um aroma característico da decomposição, o que desagradava os olfatos da
vizinhança. Realmente, eu que ficava lá revirando, por aproximadamente uma hora, saía de lá com as
narinas inundadas pelo aroma orgânico da decomposição. Tinha que ter uma
disposição básica para esse serviço. Sinto saudades. Tudo o que não era
aproveitado, se tornava alimento de outros seres, que generosamente, iam
transformando aquilo que era considerado resíduo orgânico em adubo.
Tal como nas nossas vidas, alguns
processos internos devem literalmente ser removidos, e nós, como jardineiras, temos a oportunidade
de ver a transformação do resíduo em adubo. A transformação dos nossos venenos
internos em alimento vivo da sabedoria que brota. Sabedoria que brota do
entendimento de cada processo, de cada situação desafiadora, de cada crise, de
cada “oportunidade de crescimento”, que muitas vezes, se manifestam revestidas
de sensações de tristeza, de perda, de revolta... Estamos dispostas a remexer
em nossos resíduos, em nossos venenos, e ver disto, brotar alimento vivo para
nosso jardim interno?
Tal como a composteira, dentro da
mitologia simbólica oriental, temos o exemplo da flor de lótus. Suas raízes se
alimentam do lodo, mas suas pétalas e fragrância, brotam imaculadas.
Simbolicamente, o lodo representa as nossas emoções perturbadoras, os chamados
venenos da mente (orgulho, inveja, desejo e apego, ignorância, carência, raiva
e medo). O lago representa o sofrimento que se manifesta justamente pela
expressão dos venenos da mente. Do lodo e do lago, brota o talo do lótus. O talo
do lótus se eleva das águas. Simbolicamente, representa a nossa aspiração de
não seguir operando a partir dos venenos da mente, e não dar tanta solidez ao
sofrimento inevitável que todos os seres passam. Essa aspiração é acompanhada
pela intenção de atuar numa direção positiva, ajudando os seres a criarem
outros meios de se relacionar e de viver.
Todos os seres aspiram à felicidade
e aspiram se livrar do sofrimento. Sabemos que ao operar a mente a partir dos
venenos, o sofrimento inevitavelmente surge. Mas ao nos colocarmos numa posição
de mente que pode ajudar os outros seres, praticando a compaixão (desejo que o
outro se livre do seu sofrimento), o amor (desejo que o outro seja feliz), a
alegria (contentamento com a vida), a equanimidade (olhar em todas as direções e
aspirar ajudar), isso nos tira literalmente da experiência do sofrimento, e nos
coloca na experiência de lucidez.
Sempre sobre o lótus, temos as
imagens de divindades, deidades femininas e masculinas, que se apresentam como
aqueles que ajudam a afastar o sofrimento dos seres, gerando as condições para
a felicidade relativa e a absoluta. As pétalas abertas da flor de lótus
representam as habilidades que temos e desenvolvemos que ajudam os seres a não
seguir afundando no lago do sofrimento e no lodo das emoções perturbadoras. Ao
reconhecer que temos dons únicos e habilidades preciosas, nós mesmas “sentamos
sobre o lótus”. Nossa alegria é ajudar. É ver o brilho nos olhos de todos os
seres que passam a valorizar suas qualidades para benefício dos outros. É a
radiância da sabedoria e do amor em ação. Isso nos faz feliz.
Assim, andamos no mundo, como “agentes da cruz
vermelha”, que estão em contato com a negatividade, mas não se perturbam. Como manifestações
do Feminino Sagrado, nascidas no lótus do amor e da compaixão por todos os
seres, aliviando o sofrimento e gerando caminhos de felicidade e lucidez. Caminhos
de auto-cuidado, de apoio, de acolhimento. Como Guerreiras, Visionárias,
Mestras e Curadoras da Terra.
Tempos de Transformação de
Mundos. Nosso mundo interno sendo refletido no mundo externo. Nossos dons e
habilidades à serviço de um Bem Maior. O Bem Comum. O Bem Humano. Pelo
nascimento da tão sonhada HUMANIDADE!
“Somos
mulheres, mulheres sim. Numa missão de luz e amor.”